Direito Internacional Privado

Direito Internacional Privado no Brasil

Definição, Natureza e Extensão do Direito Internacional Privado

A parte do Direito Inglês conhecida como Direito Internacional Privado entra em atuação sempre que a Corte se vê diante de um processo que contenha um elemento estrangeiro. Ela só tem função quando esse elemento está presente, e essa função é tripartida:

  • em primeiro lugar, a de estabelecer as condições nas quais a Corte é competente para analisar tal processo;
  • em segundo lugar, a de determinar para cada tipo de caso qual o sistema legislativo sob cuja ótica devem ser analisados os direitos das partes;
  • em terceiro lugar, a de especificar as circunstâncias nas quais (a) um julgamento estrangeiro pode ser reconhecido como válido para a questão em disputa; (b) o direito adquirido por intermédio de julgamento estrangeiro pode ser exigido por intermédio de uma Ação na Inglaterra.

O Direito Internacional Privado deve sua existência ao fato de termos no mundo um número de sistemas legislativos diversos que diferem grandemente uns dos outros nas regras que regulam as diversas relações jurídicas da vida cotidiana. São freqüentes as ocasiões em que as cortes de uma jurisdição precisam considerar as regras jurídicas que vigoram em outro território. Um soberano – ou o Estado – é absoluto dentro de seu próprio território, e conforme uma máxima universal do Direito, ele terá jurisdição exclusiva sobre tudo e todos dentro de seu território, e sobre todas as transações nele realizadas.

Ele pode, se assim decidir, recusar-se a considerar qualquer lei exceto a sua própria. Contudo, a adoção dessa política de indiferença, embora bastante comum em outras épocas, seria impraticável no mundo moderno, e desde há muito as nações perceberam que não poderiam se utilizar do princípio da soberania como desculpa para desconsiderar regras estrangeiras de Direito, apenas por serem diferentes das suas próprias. Além disso, como veremos adiante, não há quebra da soberania quando se aplica a lei estrangeira.

A aplicação da lei estrangeira em um caso que contenha elemento estrangeiro será necessária, por pelo menos duas razões:

  • em primeiro lugar, a aplicação inflexível da lex fori, i.e., da lei do local onde a corte está situada, freqüentemente nos levaria a grandes injustiças. Para usar um exemplo citado por Frederic Harrison, suponhamos que uma pessoa envolvida em um litígio na Inglaterra seja instada a provar que é filho legítimo de seus pais, os quais se casaram fora do país há muitos anos. A cerimônia de casamento, embora regular conforme a lei do lugar em que foi celebrada, talvez não satisfizesse as exigências formais da lei inglesa, mas mesmo assim, a aplicação do “Ato Matrimonial” (a legislação britânica sobre casamentos) a tal união, com a conseqüente negação de que os pais fossem realmente marido e mulher, não passaria de um simulacro de justiça;
  • em segundo lugar, se a corte mantiver a sua política atual – a de analisar ações referentes a partes estrangeiras – torna-se uma necessidade o considerar a lei, ou leis, estrangeiras. Um requerente, por exemplo, reclama prejuízos derivados da quebra de um contrato celebrado na França para ser também cumprido lá. Sob os métodos existentes, a corte está preparada para criar e aplicar, se a parte assim o provar, um direito inglês correspondente, tão proximamente quanto possível, àquele que é reclamado; porém, obviamente, nem a natureza, nem a extensão da assistência que a parte deve receber, ou mesmo se deve recebê-la, poderão ser determinadas se a lei francesa for desconsiderada. Se considerarmos somente a lei inglesa, poderemos invalidar as obrigações legais entre as partes, as quais foram fixadas, segundo a vontade de ambas, pela lei do local onde a obrigação foi assumida. Uma obrigação, por exemplo, assumida por um inglês na Itália, para lá ser cumprida, desde que válida e aplicável pela lei italiana, não poderia ser desconsiderada por uma corte inglesa, apenas em virtude de não aceitar aquela lei.

Como bem disse Bigelow:

“Se em um caso de uma corte americana, os direitos das partes dependem de uma transação feita na França, e a transação se submete a uma lei francesa que é diferente da americana, a questão que surge é se a transação deve se submeter à lei da França ou não. Se a corte decide que ela se submete à lei da França, então deve-se aplicar esta lei na determinação dos direitos das partes, não por cortesia para com a França, mas porque a justiça assim o requer. Os direitos das partes dependem em parte das circunstâncias da transação, e em parte da lei que da a ela sua força e efeito. Seria tão injusto aplicar uma lei diferente quanto determinar os direitos das partes por uma transação diferente. Aplicando a lei francesa, a corte não estará permitindo que ela vigore nos Estados Unidos, mas apenas reconhecendo o fato de que ela vigora na França.”

Para justificar esta referência à lei estrangeira, juízes e doutrinadores, seguindo a teoria do grande jurista holandês John Voet, freqüentemente usam o termo “comity”. O termo é, de fato, freqüentemente encontrado em obras e sentenças inglesas, porém analisando melhor, notaremos que ele não tem significado algum. Poderíamos atribuir seu significado usual de “cortesia”, e assim seria difícil justificar porque as cortes inglesas estariam prontas a aplicarem as leis inimigas em época de guerra. Além disso, cortesia implica reciprocidade, e se ela fosse a base do Direito Internacional Privado, os juízes seriam obrigados a ignorar as leis de determinada nação caso restasse provado que lá as cortes aplicassem tão somente suas próprias leis.

Se, por outro lado, “comity”, ou cortesia, significa que nenhuma lei estrangeira é aplicável na Inglaterra, exceto com a permissão do soberano, tudo não passaria de mera liberalidade. O fato é, com certeza, que a aplicação dessa lei não implica em atos de cortesia, ou sacrifícios da soberania. Ela apenas deriva do desejo de se fazer justiça. Como um jurista francês ressaltou:

“Quando, em determinado caso, a lei francesa declara uma lei estrangeira aplicável, isto é feito depois que ela segue o sistema de Direito Internacional Privado que parece ser o melhor, e porque a lei da França acredita que a situação jurídica em análise deve se submeter à lei estrangeira…. a lei francesa é claramente desconsiderada em virtude de sua própria decisão, pois ela, em circunstâncias normais, é sempre aplicável na França. Não se a desconsidera a fim de fazer um sacrifício, mas a fim de oferecer a melhor justiça, pois no caso em análise, a solução mais aceitável consiste na aplicação da lei estrangeira.”

O Direito Internacional Privado, portanto, é a parte do Direito que entra em cena quando o assunto a ser julgado está ligado de forma tão próxima a um sistema de leis estrangeiro, que necessita recorrer àquele sistema. Ele tem sido descrito, corretamente, como “as regras escolhidas voluntariamente por um determinado Estado, para a decisão de casos que envolvam elementos estrangeiros”. Os sistemas legais no mundo consistem em uma variedade de sistemas territoriais, cada um lidando com os mesmos fenômenos da vida – nascimento, casamento, morte, divórcio, falência, contratos, promessas e outros – mas em muitos casos lidando com eles de formas diferentes. Quando no caso encontramos elemento estrangeiro, a corte deve olhar além de seu próprio direito nacional, para que a lei relevante do sistema estrangeiro ao qual aquele caso pertence não venha a entrar em conflito com a lei do foro. As formas pelas quais esses elementos estrangeiros podem aparecer são diversas.

Uma das partes pode ter nacionalidade estrangeira, ou ter domicílio no exterior; um comerciante pode ter sua falência decretada, tendo muitos credores no exterior; a ação pode se referir a uma propriedade em outro país, ou a uma disposição feita no exterior sobre propriedades situadas na Inglaterra; se a ação se referir a uma letra de câmbio, o elemento estrangeiro pode consistir no fato de que a assinatura, o aceite ou o endosso tenham sido feitos no exterior; um contrato pode ter sido celebrado em um país para ser cumprido em outro; duas pessoas podem recorrer à corte de um país estrangeiro, no qual os meios de contratar, ou de dissolução de um casamento sejam mais convenientes do que no país em que têm domicílio.

Nota: Esta tradução foi realizada tendo como texto original o primeiro capítulo da obra Private International Law (G.C.C. Cheshire – Oxford) por Ana Beatriz Rigon, Ana Paula Noemi Braga, Daniela Maira Costa e Isabel Cristina Tosi.

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Veja também

  • Conflito de leis
  • Conflito de ordens jurídicas
  • Direito civil internacional
  • Lei aplicável

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