Juiz do Foro

Juiz do Foro no Brasil

Juiz do Foro en Direito Internacional Privado

É geralmente dito que o juiz do foro “aplica”, ou “executa”, o direito escolhido, ou ainda que o caso é “governado” pela lei estrangeira. Essas são expressões simples para descrever superficialmente o que acontece, mas não são precisas. Não é também preciso dizer que o juiz executa não a lei estrangeira, mas um direito adquirido sob a lei estrangeira. A única lei aplicada pelo juiz é a lei do foro; os únicos direitos executados por ele são aqueles indicados por ela. Mas, levando-se em consideração o elemento estrangeiro; no caso a lei estrangeira é um elemento que deve ser levado em consideração, e o que o juiz tenta é criar, ou executar, um direito o mais próximo possível àquilo que teria sido criado pela Carta estrangeira.

Para os propósitos do Direito Internacional Privado, a expressão ordem jurídica estrangeira significa qualquer sistema vigente em uma área geográfica exterior à esfera de operação da lei do foro. Portanto, ela inclui não apenas a lei existente em um Estado sob uma soberania política estrangeira, mas também a lei vigente em uma subdivisão de um estado político do qual o foro faz parte. Assim, para o propósito do Direito Internacional Privado, e no que diz respeito às cortes inglesas, a lei da Escócia é tão estrangeira quanto a da Itália ou Portugal. O Direito Internacional Privado não é o mesmo em todos os países; não há um sistema que possa reclamar reconhecimento universal, e este livro volta-se unicamente para aquilo que se tem na Inglaterra, ou seja, para as regras que guiam as cortes inglesas sempre que estas se deparam com um caso contendo elemento estrangeiro.

Um autor de Direito Internacional Público poderá, talvez, reivindicar que alguma solução por ele proposta seja intitulada como de reconhecimento universal. Assim, teoricamente, um jurista francês e um alemão sempre deveriam concordar sobre o que constitui efetivamente um empecilho. Mas um autor de Direito Internacional Privado não pode ter esse anseio. Esse ramo do Direito, na forma como o encontramos na França, por exemplo, mostra muitos contrastes com seu equivalente inglês, e apesar de as regras inglesas e norte-americanas mostrarem-se consideravelmente similares, elas são fundamentalmente diferentes em um número de pontos. Na Inglaterra, por exemplo, a vigência essencial de um contrato é determinada pelo sistema de leis com o qual o contrato está mais proximamente ligado, mas já nos Estados Unidos, esta é determinada ou pela lei do local onde o contrato foi celebrado, ou do lugar de seu cumprimento. As várias questões relacionadas ao “status” pessoal de um litigante dependem, na Inglaterra e nos Estados Unidos, da lei de seu domicílio, mas na França, Itália, Espanha e na maioria dos países europeus, depende de sua nacionalidade.

E mais: são tão conflitantes os princípios aplicados pelos vários sistemas legais às questões relacionadas ao casamento, que as mesmas duas pessoas podem freqüentemente ser consideradas casadas sob uma jurisdição, mas solteiras sob outra. Por outro lado, apesar de a lei escocesa ser radicalmente diferente da inglesa, ainda assim os princípios de Direito Internacional Privado são tão similares em ambos os países que uma decisão inglesa é normalmente, embora não invariavelmente, seguida na Escócia.

Há duas maneiras possíveis para que essa falta de unidade entre os vários sistemas de Direito Internacional Privado possa ser suavizada.

A primeira é assegurar, por meio de convenções internacionais, a unificação das leis internas dos vários países sobre o maior número de tópicos legislativos possível. Ao nos determos sobre as diferenças básicas e fundamentais que em princípio distinguem um sistema legal do outro, sobretudo nos sistemas anglo-saxões quando contrastados com seus equivalentes continentais, e levando em consideração o moderno entusiasmo acerca do nacionalismo, e as recentes explosões de racismo, fica evidente que essa forma de unificação não apresenta nenhuma possibilidade de sucesso. Todavia, um certo progresso tem sido alcançado nas poucas áreas legislativas em que esta união é necessária e possível.

Um importante exemplo de unificação é a Convenção de Varsóvia de 1929, que estabelece regras para o transporte internacional de pessoas e cargas por avião, determinando as leis uniformes que dizem respeito à jurisdição, e estabelece ainda que qualquer acordo entre os litigantes que vise a alterar as regras sobre essas questões deve ser írrito e nulo. A Convenção foi feita baseada no Ato de Transporte pelo Ar, inglês, de 1923. Outro exemplo de unificação das leis é o Ato de Transporte de Bens pelo Mar, de 1924, adotado pela Inglaterra, em comum com muitos outros países, que apresenta certas regras a respeito do trânsito marítimo, as quais foram formuladas pela Conferência de Lei Marítima, realizada em Bruxelas, em 1922 e 1923. Igualmente, uma unificação geral da lei que diz respeito ao transporte ferroviário foi realizada pela Convenção de Berna, em 1924: no entanto, é claro, ela só vale para o continente. Um método mais ambicioso e de importância ainda maior para a comunidade mercantil foi a unificação da lei de letras de câmbio e cheques, e também a lei de venda.

A Conferência de Genebra, de 1930, que teve representantes de 32 países, resultou em um acordo, assinado por 22 países, que formulou a Lei Uniforme de Letras de Câmbio. A Grã-Bretanha assinou um acordo sobre as taxas de impressão, mas a importância da unificação, do ponto de vista britânico, é que no futuro o advogado ou negociante inglês terá, provavelmente, de considerar apenas um sistema continental de leis, em vez de vários. Devemos também fazer menção à Convenção de Berna de 1886, desde então emendada várias vezes, por meio da qual uma união internacional para a proteção dos direitos dos autores sobre seus trabalhos literários e artísticos foi criada. O Conselho da Liga das Nações confiou ao Instituto para a Unificação do Direito Privado, estabelecido pelo governo italiano em Roma, a tarefa de indicar os parâmetros por meio dos quais a unidade deve seguir, e a proposta de preparação da lei de venda deve seguir já está a caminho de preparação ativa. Em uma escala menor, os quatro países escandinavos, Finlândia, Dinamarca, Noruega e Suécia assinaram, acordos unificando, nesses países, a lei relaciona à falência, à coisa julgada e ao reconhecimento mútuo de sentenças.

A segundo maneira pela qual a inconveniência resultante do conflito de leis nacionais diversas pode ser amenizados, é através da unificação das regras de direito internacional privado, para assim assegurar que um caso que contém um elemento estrangeiro resultará na mesma decisão, independentemente do país de seu julgamento. Sendo assim, seria desejável ter um Código comum de Direito Internacional Privado para o mundo civilizado, sobre o qual diversas tentativas foram feitas, nos Congressos de Haia sobre Direito Internacional Privado, buscando reduzir o número de tópicos nos quais as regras para a escolha da lei em diferentes países esteja em conflito.

Até 1951, as conferências eram limitadas aos Estados continentais da Europa, devido às diferenças entre o sistema da “common law”, sobre o qual se baseia o sistema anglo-saxão, e da “civil law” que forma a base dos sistemas europeus. Neste ponto, a probabilidade de acordo entre os dois grupos parecia pequena. Os representantes britânicos, porém, participaram da sétima sessão, em 1951, não apenas como meros observadores, mas sim como participantes ativos da conferência.

As conferências foram realizadas em Haia em 1893, 1894, 1900 e 1904, e resultaram nas seis seguintes convenções:

I – Convenção regulamentadora da validade do casamento.
Adotada em 1902, mas com a deflagração da guerra em 1939 seus únicos partidários foram Danzig, Alemanha, Hungria, Itália, Luxemburgo, os Países Baixos, Polônia, Portugal, Romênia, Suécia e Suíça. Além do mais, em conseqüência da guerra de 1914, e do artigo 282 do Tratado de Versalhes, e do artigo 217 do tratado de Trianon, a convenção foi interrompida para operar entre a Alemanha, de um lado, e Portugal e a Romênia de outro, e também entre a Hungria e Portugal.

II. Convenção regulamentadora dos efeitos do casamento
Assinada em 17 de julho de 1905, tratava dos direitos e deveres mútuos dos cônjuges, e das regras referentes a seus direitos de propriedade;

III. Convenção sobre divórcio e separação
Concluída em 12 de junho de 1902, teve somente oito participantes no começo da guerra de 1939-1945. A Suíça retirou-se em 1929 e a Alemanha e a Suécia em 1934.

IV. Convenção sobre tutela
Assinada em 12 de junho de 1902, teve um efeito muito maior do que as anteriores. Em 1939 estava em vigor em 13 países e, além disso, foi estendida pelo Tratado de St. Germain, para a Áustria (que não havia assinado antes), por um lado, e por outro para a Bélgica, Itália, Portugal e Romênia.

V. Convenção sobre interdição
Lida com a comissão de deficientes, mas entrou em vigor somente em Danzig, Alemanha, Hungria, Itália, os Países Baixos, Polônia, Suécia, Portugal e Romênia.

VI. Convenção sobre os procedimentos civis
No que diz respeito à aplicação, esta foi a convenção de maior sucesso, já que o número de países participantes chegou a 22, embora deixado de ser efetiva entre a Alemanha e a França depois da guerra de 1914. É, porém, de aplicação limitada, uma vez que não lida com a jurisdição ou escolha da lei, mas sim com assuntos como o serviço de documentos judiciais e extra-judiciais, seguro para custos e a coleta de despesas.

A sétima conferência ocorreu em 1951, e resultou na assinatura de convenções sobre os quatro assuntos seguintes:

1. Contratos Internacionais para a venda de produtos
2. Para a regulamentação de conflitos entre a lei da nacionalidade e a lei do domicílio
3. Para o reconhecimento da personalidade de companhias e outras associações
4. Procedimento Civil, uma convenção designada para substituir a que foi concluída em 1905.

O Comitê Permanente de Direito Internacional Privado foi organizado pelo Lord Chancellor para avaliar quando seria desejável que o governo de sua majestade devesse ser parte das duas primeiras dessas convenções. No seu primeiro relatório, emitido em janeiro de 1954, o comitê recomendou que a convenção regularizadora dos conflitos entre a lei da nacionalidade e a lei do domicílio deveria ser aprovada, desde que certas mudanças na atual lei de domicílio, mostradas com detalhe no relatório, fossem primeiramente executadas. Os assuntos não prosseguiram até o momento. Por outro lado, o comitê opinou pela não aceitação da convenção referente a contratos internacionais e vendas de produtos, e essa posição foi aceita pelo governo.

Um passo maior e mais decisivo, tomado em 1951, foi o plano feito para estabelecer uma entidade permanente após a Conferência de Haia, com o estabelecimento de um bureau permanente.

Esse plano foi aceito por muitos países, incluindo a Grã-Bretanha, e o Bureau, consistindo de uma secretaria geral e duas secretarias assistentes pertencentes a países diferentes já foi estabelecido em Haia. As suas principais funções são examinar e preparar propostas de unificação para o Direito Internacional Privado, a fim de manter contato com o Conselho da Europa e com organizações governamentais e não governamentais, como a associação de Direito Internacional. O bureau funciona sob a direção geral da Comissão Governamental Permanente da Holanda, que foi estabelecida pelo Decreto Real em 1897, com o objetivo de codificar o Direito Internacional Privado.

Com o resultado das conferências de Genebra, de 1930 a 1931, convenções que lidavam com as leis uniformes para letras de câmbio e cheques foram concluídas sendo assinadas por 21 Estados europeus, quatro Estados sul-americanos e mais o Japão.

Além das convenções mencionadas acima, muitos acordos similares foram feitos entre países, por exemplo, as convenções bilaterais sobre o procedimento civil concluídas na Grã-Bretanha, com um grande número de Estados estrangeiros. Um dos maiores e certamente um dos mais interessantes, foram as convenções inter-escandinavas de 1929 a 1933, entre Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia. A primeira dessas que foi assinada, em 6 de fevereiro de 1931, unifica as regras de direito internacional acerca de casamento, adoção e guarda, todos assuntos referentes ao “status” pessoa. A maior dificuldade para a conclusão dessa convenção foi o fato da Dinamarca e Noruega seguirem o princípio da lei do domicílio como fator determinante para as questões de natureza pessoal, enquanto para a Suécia e a Finlândia a nacionalidade é o fator determinante.

Eles resolveram essa dificuldade por meio de um acordo para manter suas respectivas atitudes quando estiverem diante de um caso que envolva um país escandinavo e outro não escandinavo, mas para adotarem a lei do domicílio como princípio na lei internacional inter-escandinava. Mesmo se uma pessoa pertence a um desses quatro países, mas já morou em um dos outros por pelo menos dois anos, ou se um cidadão de um desses quatro países casar e estabelecer seu domicílio de casado em um dos outros, a lei do domicílio controla as questões de adoção, guarda e casamento, incluindo no último caso os efeitos do casamento sobre os bens móveis. O tempo de dois anos de domicílio funciona como uma garantia contra abusos, especialmente o de ter residência em um país vizinho, a fim de escapar da lei da nacionalidade.

Um exemplo mais recente de uma convenção limitada foi a concluída em 1951 entre os Estados de Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo – que unificaram as leis internacionais nos seus aspectos mais importantes, como capacidade, status pessoal, divórcio, sucessões e a validade dos contratos.

Outra organização que, de forma mais restrita, teve uma influência unificadora sobre as regras de Direito Internacional foi a Corte Permanente de Justiça Internacional. Esse foi o maior tribunal que existiu até a dissolução da Liga das Nações, e ainda que, evidentemente, suas decisões não influenciassem as cortes locais no que se tratasse de ações essencialmente referentes ao Direito Internacional que ocasionalmente surgem diante das cortes de qualquer país, seus pronunciamentos mereciam não somente respeito, mas eram sempre seguidos.

Um exemplo famoso da influência exercida pela Corte Permanente foi o do empréstimo sérvio, de 1929, no qual foi levantada uma questão pela França, contra a Sérvia sobre se um empréstimo feito pelo governo sérvio poderia ser pago em papéis ou em francos/ouro. Esse tipo de questão afeta qualquer empréstimo, seja feito pelo governo ou por pessoa física, que contém a chamada “cláusula ouro”. Essas cláusulas, que levantam uma difícil questão de interpretação, são objeto de litígios em muitos países, e é nítido que houve uma forte tendência à adoção de princípios gerais enunciados pela Corte Permanente no Caso Sérvio. É natural presumir que sua sucessora, a Corte Internacional de Justiça, irá exercer uma influência unificadora similar.

Nota: Esta tradução foi realizada tendo como texto original o primeiro capítulo da obra Private International Law (G.C.C. Cheshire – Oxford) por Ana Beatriz Rigon, Ana Paula Noemi Braga, Daniela Maira Costa e Isabel Cristina Tosi.

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