Função do Direito Internacional Privado

Função do Direito Internacional Privado no Brasil

função do Direito Internacional Privado

É freqüentemente dito que a função do Direito Internacional Privado é indicar a área sobre a qual uma lei se estende – isto é, “lida fundamentalmente com a aplicação de leis no espaço”. O sentido disso é que uma regra de direito material, como por exemplo a lei inglesa de que todo contrato deva ser levado em consideração, não tem, propriamente, uma dimensão espacial, pois de acordo com os termos em que é expressa, ela se aplica a todos os contratos, onde quer que sejam feitos. Mas sua dimensão no espaço, isto é, sua esfera de autoridade, é justamente o que é fixado pelo Direito Internacional Privado, pois um soberano é livre para estabelecer, se for de sua escolha, que a área sobre a qual uma regra de direito material, seja doméstica ou estrangeira, vai vigorar, deva ser maior do que a jurisdição territorial em que foi originada.

Se, por exemplo, uma corte inglesa decidir que os bens situados na Inglaterra pertencentes a um homem que morreu sem testamento, e que era domiciliado na França, devam ser distribuídos de acordo com as previsões do Código de Napoleão (Código Civil Francês), o que ela decide, na verdade, é que a regra de direito interno francesa que diz respeito àqueles que morrem sem fazer testamento é, no caso de pessoas domiciliadas na França, aplicável fora dos limites territoriais do legislador francês. Nas palavras de Savigny:

“É essa diversidade de direitos positivos que torna necessário fixar para cada um a área de sua autoridade, para estabelecer os limites de diferentes direitos positivos em relação aos demais.”

Esta forma de expressar a função da matéria é irrepreensível, e certamente útil, desde que não seja interpretada de forma literal. Não é verdade que a esfera de aplicação de cada lei é ou pode ser determinada para toda e qualquer situação em que possa ser relevante. A área sobre a qual qualquer lei possa estender-se irá variar de acordo com as circunstâncias particulares de cada caso em que deve ser aplicada. As regras inglesas que se referem à capacidade para contratar se aplicarão a algumas transações realizadas por um inglês domiciliado no exterior, mas não a outras.

O Direito Internacional Privado não é um ramo separado do Direito, na mesma medida em que as regras de contratos ou de falência. É independente.

“Pode surgir em qualquer juízo, no correr de qualquer processo. Pode surgir inesperadamente numa ação comum, em um processo administrativo, em uma ação de divórcio, num caso de falência, num caso comercial, ou numa ação criminal.
…. a mais trivial ação de débito, o mais complexo caso de eqüidade, pode ser repentinamente interrompido pelo surgimento de um “nó”, que só poderá ser desatado pelo Direito Internacional Privado.”

No entanto, o Direito Internacional Privado é uma unidade distinta e separada no sistema legal inglês, assim como o direito falimentar, ou contratual; mas ele possui unidade, não apenas por lidar com um tópico particular, mas por estar sempre relacionado com uma ou mais dentre três questões:

(i) Jurisdição das cortes inglesas
(ii) A escolha da lei
(iii) Jurisdição das cortes estrangeiras.

Devemos estar preparados para considerar praticamente todos os ramos do direito privado, mas em conexão com apenas 2 aspectos: jurisdição e escolha da lei.

O juiz, primeiramente, decide se ele é competente para analisar o caso. Essa é a questão de jurisdição – ou de foro – e nós devemos achar a lei fundamental que permite à corte analisar qualquer assunto no qual o foro seja a Inglaterra, isto é, no casos em que o sujeito, sendo ele estrangeiro ou não, esteja fisicamente presente na Inglaterra no momento da impetração do “writ”. A questão, contudo, não está sempre restrita à jurisdição da corte inglesa. Se uma ação é proposta na Inglaterra, a respeito de um julgamento que foi realizado fora, ou quando se alega coisa julgada em virtude de um julgamento estrangeiro, a primeira tarefa da corte inglesa é decidir se aquela corte estrangeira seria competente para julgar a questão, isto é, se ela tinha jurisdição, conforme os princípios do Direito Internacional Privado inglês, para julgar aquele caso.

Se for decidido que a corte estrangeira possui jurisdição, então a próxima questão – a escolha da lei – deve ser considerada, isto é, qual sistema legal, inglês ou estrangeiro, deve vigorar no caso. A ação em curso perante a lei inglesa pode dizer respeito, por exemplo, a um contrato realizado, ou um crime cometido no estrangeiro, a validade de um testamento feito por uma pessoa que morreu domiciliada em outro país, ou o efeito de uma sentença de divórcio obtida num país estrangeiro. Em cada caso, as regras inglesas de Direito Internacional apontam o sistema legal a ser aplicado no caso, isto é, para usar uma expressão simples, qual sistema de direito interno deve constituir o direito aplicável.

O direito internacional privado inglês, por exemplo, exige que os bens móveis de um britânico que morre sem testamento, com domicílio na Itália, devem ser partilhados de acordo com a lei italiana. Do mesmo modo, se duas pessoas que se casaram na França passam a viver na Alemanha, onde seu casamento é anulado por uma razão que não teria sido suficiente para tal na França, o Direito Internacional Privado prevê que a efetividade da anulação deve ser determinada pela lei alemã. Essas regras para a escolha da lei, ou règles de rattachement, como é chamada pelos juristas franceses, indicam o sistema legal específico pelo qual se deve solucionar a disputa. Isso não significa necessariamente que apenas um sistema legal é aplicável, pois diferentes aspectos de um caso podem ser governados por diferentes leis. Na verdade, já se disse que um caso que contenha elementos estrangeiros nunca está submetido a um único sistema legal.

“Um casamento realizado no exterior tem suas regras formais de validade reguladas pela lei do local da celebração, assim como as regras referentes à capacidade para casar são reguladas pelo direito do domicílio das partes. Além disso, um controle mais substancial é exercido pela lei do foro, de modo que em todo caso pelo menos dois – a lei do foro e um ou mais direitos estrangeiros – aplicam-se a diferentes aspectos do caso.”

Deve ser observado que a função do direito internacional privado está completa quando já se escolheu o sistema legal apropriado. Suas regras não fornecem uma solução direta à disputa, e já foi dito por um autor francês que esse ramo do direito assemelha-se a uma agência de informações numa estação de trens, na qual um passageiro pode descobrir a plataforma de onde seu trem sairá.

Se, por exemplo, a defesa a uma ação por violação de contrato realizado na França alega que as formalidades necessárias pelo direito francês não foram cumpridas, o direito internacional privado ordena que a validade formal do contrato deva ser determinada pelo direito francês. Mas não diz mais nada. O direito francês relacionado à validade formal deve então ser provado por uma testemunha especialista no assunto.

Nota: Esta tradução foi realizada tendo como texto original o primeiro capítulo da obra Private International Law (G.C.C. Cheshire – Oxford) por Ana Beatriz Rigon, Ana Paula Noemi Braga, Daniela Maira Costa e Isabel Cristina Tosi.

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